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Tessituras de um Rio

Tessituras de vida, palavras e sentimentos. Tessituras de rios, histórias e memórias atravessadas pela literatura, vídeos, desenhos e fotografias. Delicadas anotações, sensíveis narrativas visuais, elaboradas com porções de alegrias, tristezas, afetividades, lembranças e vivências. Nas miudezas do relicário cabem o olhar crítico, mordaz que percebe as mudanças provocadas pelo tempo: descasos tramados ao longo da história do lugar onde um dia Heldilene habitou. São enredos permeados pelas águas barrentas que perdem volume e muitas vezes secam, enredos constituídos por famílias que se deslocam de forma involuntária, submersas no obscuro poder dos homens injustos. São cerziduras de tempos, paisagens desfocadas, embaçadas no ínfimo instante em que é permitido vislumbrar a imagem... para sempre perdida.

Uma tese transformada em exposição abdica da rigidez acadêmica, sem perder a solidez que subsiste no respirar poético, na síntese visual. Heldilene Reale se deixa levar pelo fluído movimento do trajeto Belém-Faro, que traz o rosto da avó (imigrante italiana que jamais conheceu), que permite emergir a silhueta do pai que naquelas terras foi concebido. O rio navegado devolve-lhe a infância, envolta no corpo molhado, nas lúdicas lembranças, ora suspensas em tensões políticas, ora amenizadas pela magia da cidade feiticeira que, logo, desperta ações performáticas levando-a a vestir o azul ou o preto vestido, a tecer o novelo vermelho.

Percursos revisitados, partilhados com outros viajantes, com outros moradores da cidade da qual transbordam correntes de crochê que não aprisionam, mas mantêm a infinita tessitura de elos, muitas vezes apagados, que teimam em voltar. Vestígios, ruínas ressoam com o vento. Belém-Faro-Belém, barcos e navios trafegam em correntezas, buscando seguir a cartografia de territórios e desejos. Imersa em mapas de memórias, a pesquisadora, a artista perambulam por ruas estreitas, por prédios que lhe são familiares. Os passos errantes assumem o comando da caminhada, até os pés alcançarem o rio e, em segundos, retornar à areia, sabedora que a viagem continua em terras brasileiras, em solo italiano, ad infinitum.

Marisa Mokarzel


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