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Ao observarmos uma pintura podemos não nos dar conta, mas estamos, frequentemente, diante de um espelho não revelado. As imagens que figuram no espaço bidimensional podem também nos parecer imóveis, mas estão, de fato, em movimento: um segredo cinemático apenas possível ao “olho que transvê” (como quer Manoel de Barros), ou seja, ao olhar que detém a poesia. Falo aqui de um estado transigente, onde a obra e o observador chegam a um encontro de mútuas influências, produzindo seus interstícios, o que Richard Linklater (no filme Antes do Amanhecer) chama de magia possível do mundo: tentar entender e compartilhar algo com alguém.

Mas a pintura – a obra de arte, enfim – seria alguém? O que Alexandre Dantas propõe em sua nova mostra pode não responder a essa questão diretamente, mas determina de forma quase literal o espaço circunscrito da superfície pictórica como uma arena íntima de diálogos identitários. Sua série de retratos, que o artista desenvolve de maneira experimental desde O Toque da Luz (2009), passando por Outros Caminhos (2013) e Espontâneos (2014), representa um esforço investigativo da expressão humana, entre a celebridade e o anonimato, que nos entrega a reflexão material de uma virtualidade cotidiana, à qual estamos inexoravelmente ancorados.

As redes sociais, e suas abstrações vaidosas, seu psiquismo complexo, a um só tempo afirmando pretensamente as individualidades, e também as dissolvendo no caldeirão do inconsciente coletivo, podem aqui ser lidas num reflexo semovente, na água clara e lenta do lago de Narciso. As questões contemporâneas do empoderamento, sororidade, preconceitos, diferenças e diversidades – entre muitas outras – podem encontrar aqui, no espaço entre as telas e os olhares, um silêncio eloquente.

Renato Torres
Poeta, músico e arte educador
Junho de 2018

Exposição Contemplada no Concurso Pauta Livre 2018

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