Cartografia da Fé 2020
Exposição Coletiva
TEXTO CURATORIAL
Um mapa de silêncios e distâncias surpreendeu o mundo inteiro no ano de dois mil e vinte: a distopia pandêmica estabeleceu suas regras, e a população dos diversos países teve de se adequar, cada qual à sua maneira, às suas exigências sacrificiais. O calendário de eventos que envolva qualquer tipo de aglomeração de pessoas teve de ser revisto, e nesse imbróglio, todas as manifestações religiosas foram afetadas, forçando os fiéis a um recolhimento compulsório, a um enfrentamento de si mesmos diante da sombra assustadoramente apocalíptica da COVID-19.
O trabalho das galerias foi retomado em meados de julho, e desde então, vimos reformulando a atuação das expografias na direção da virtualidade, já que as visitações diminuíram sensivelmente, e as aberturas foram descontinuadas. No mês do Círio de Nazaré, tornou-se também uma tradição expormos trabalhos de diversos artistas acerca do tema, e no ano passado, consagramos o formato com a exposição Cartografia da Fé. Na impossibilidade de realizar-se a procissão este ano, nos vimos num impasse: realizamos a exposição? Nos pareceu imediatamente um compromisso incontornável demarcar este lugar de uma festa intensa e múltipla como o Círio na espacialidade poética da galeria, conservando em cada obra exposta a esperança de dias melhores, de reencontros, de novos percursos pelas ruas da Belém histórica.
Este ano, convidamos cinco artistas que representam uma linguagem profundamente comprometida com o Círio em todas as suas expressões: a fotografia. São essas pessoas que, misturando-se à multidão vibrante de fé, entrega e amor, retiram dela suas íntimas veleidades, suas elaborações sinceras, suas dores em holocausto. Úrsula Bahia, Karina Martins, Guy Veloso, Otávio Henriques e Rafael da Luz nos trazem imagens de círios diversos espalhados pelos municípios do Pará, numa iconografia que ora privilegia a festividade em sua exuberante amorosidade e alegria pela padroeira, ora mergulha em seus resíduos, sua espiritualidade fantasmática, sua ingenuidade pungente carreada pelas crianças vestidas de anjo. Suas fotografias dialogam no espaço com obras do acervo da GTB/FCP.
A imagem do anjo que escolhemos para o cartaz desse ano nos revela um pouco dessa criança interior: amedrontada, procura esconder o rosto com a mão – difícil encarar a dura cobrança de uma doença que nos exige isolamento; atrás dela, um mapa da cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará, com suas ruas centenárias que nos convidam ao passeio, à caminhada, aos encontros, é a promessa remissiva, o diagrama do futuro desejado e solicitado em prece à Virgem, uma rota divina à redenção.
Renato Torres
Técnico em Gestão Cultural – GTB/GBN